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Carta ao meu Amor

Passaram 40 anos desde que se conheceram e assim permaneceram na vida um do outro. Hoje,neste dia 14 de fevereiro de 2017, em que passam 8 meses da tua ausência, pedi à mãe, tua esposa, para ser ela a dar-me as palavras para escrever. 
Ao seu amor. Ao seu único e grande amor...Tu. 
...e tão bem que ela contou a vossa história. Orgulho-me tanto, mas tanto. De coração cheio.

"Foi pelo ano de 1976 que nos conhecemos , nas escamizadas do lugar, o Carregal. As gentes do lugar juntavam-se, dançava-se a toque de realejo. Eu já te conhecia de passar pelo Regato, onde vivias. Trabalhavas onde é agora o café do Fernando e sempre que eu passava por lá para a loja da adelaidinha tu assobiavas. E então por causa disso nas escamizadas chamavas-me para dançar e eu ia , toda satisfeita. dançava sempre mais contigo do que com as outras pessoas. Mal eu sabia...
O pedido de namoro, veio em outubro desse ano, mas eu não disse logo que sim,apesar de estar deserta, mas só no dia 27 é que se oficializou a coisa. Tive um outro namorado mas nunca chegou a ser oficial, nunca foi lá a casa dos meus pais. Tu foste o único, achava-te tão jeitoso, eras magrinho, falavas com toda a gente, mas havia um "senão" que ainda me deu muitas dores de cabeça, eras muito namoradeiro!
 Passados uns dias, já toda a gente falava que eu namorava o filho mais velho do Srº Alfredo. Foste a casa do meu pai e estiveste a falar sozinho com ele, estava tão nervosa. A partir dai, como estava oficializado, encontravamo-nos para ir aos bailes e a excursões ou vinhas-me buscar. Tenho de dizer que não tivemos um namoro fácil, às vezes saias com outras raparigas e depois eu vinha a saber e tu negavas e eu fartava-me de chorar. Mas regressavas sempre. E por vezes também me davas presentes como flores ou postais escritos por ti. Ficava tão contente.

Casámos em 1979 e por acaso até foste tu o primeiro a falar nisso, mas eu também queria que acontecesse sim. Fez-se um jantar com os nossos pais e tive direito a um anel e tudo. Chorei tanto de alegria...
E a 23 de setembro de 79 lá fomos nós para o altar. A festa foi na quinta do Vicente Rodrigues com cerca de 80 convidados. O meu vestido de noiva foi emprestado da prima que se tinha casado à pouco tempo. Os recursos eram poucos e o importante era casarmos. Tu ias com um fato completo azul escuro e uma camisa beje. Fumavas.Nesse dia ainda mais.Ias tão bonito. Mais uma vez chorei que nem uma madalena arrependida. Estava-me a casar, meu deus! 

Alugámos uma casinha no regato porque na altura não havia muita escolha e também porque assim ficámos perto da família. e levámos para lá o nosso enxoval, com tudo o que os nossos pais nos tinham dado.Eu sabia cozinhar e fui aprendendo o resto até porque para minha sorte nunca foste esquisito. Não fazias nada em casa mas eu não me importava. Íamos comer fora pelos aniversários e datas especiais. O que sinto agora é que o melhor da vida de casada foi ter companhia para tudo e o nascimento da nossa menina, o pior era o sacrifício que se tinha de fazer para ter as contas e as coisas em dia e a morte bater-nos à porta. Esses são os medos de sempre e para sempre.
Estávamos casados à 2 anos quando engravidei, em 1981. Não assististe ao parto até porque na altura não se usava muito isso. Desapareceste para a rua, chovia muito. Só fumavas. Quando chegaste ao pé de mim , vinhas com os sapatos castanhos todos pingados da chuva. Disseram te que tinhas ali uma menina, tal como queríamos. E tu lá te chegaste ao pé mas tinhas medo de pegar nela, até em casa.
Mas o amor existia. 
Se já existia, nessa altura passou a existir ainda mais. Para mim, amar-te sempre significou o respeito acima de tudo, o fazer tudo ao outro, o preparar-te a roupa quando saias do banho, a comida que gostavas, dar mimos e beijinhos, sentir falta depois de um dia trabalho... estragar-te como costuma dizer a nossa filha tantas vezes.

"Mor" era como me chamavas, ou mais na brincadeira "Maria" ou "esquina parreca"...que saudades tenho de ouvir esses ecos pelas paredes de casa.Eu chamava-te de "mor" também ou então mesmo pelo teu nome "Carlos". Tenho saudades de o pronunciar. Sussurro-o baixinho nas minhas orações, vezes sem conta, mas parece não chegar. Sempre gostei de tudo em ti, por isso é que me apaixonei desde o inicio , eras muito bem disposto e tinhas sempre conversa . Apesar de por vezes existirem discussões , nunca pensámos em nos divorciar. 
Fazes-me imensa falta mor. As recordações são mais que muitas e nestes últimos anos vivemos momentos que, se por um lado hoje me apertam o coração de me fazerem falta , por outro lado enchem-me a alma pelos amigos que fiz ao teu lado, pelo compasso das danças conjuntas, pelas gargalhadas sonoras, pela gratidão que sempre vi nos teus olhos, pelo aquecer dos pés em todas estas noites de 37 anos de casamento. Por nunca nos deitarmos chateados e por nunca me levantar amuada contigo. Foste e serás sempre o meu único e grande amor. O meu Carlos. O amigo, o parceiro, o marido e o pai que escolhi para me acompanhar. E que continuo a trazer ao meu lado."

Amo-te muito , meu amor.
Feliz dia dos namorados.

Da tua mulher,
Cremilde Pinheiro

Aos meu pais, de coração pleno de orgulho pelo amor que sempre demonstraram no nosso lar, deixo dois beijos. Um cheio de saudades, por tudo aquilo que já não posso observar da mesma forma, e outro cheio de esperança para poder absorver da melhor forma a mudança.
Andreia Pinheiro

14/02/2017





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