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Jardim Eterno

Pai,
Passaram 3 meses...Olho para trás e continuo com um sentimento ambíguo... tão pouco tempo...mas tanto tempo contado, tanto tempo sofrido...tanto tempo sem ti.
Sinto que o meu coração está mais contido, as palavras mais escassas. Sinto que deixei de dar importância a coisas que julgava serem relevantes, mas também sinto que deixei de lado algumas coisas que continuam a ser importantes. A vontade de agir e reagir é difícil de manter, ou até mesmo de encontrar. Abrir os olhos todos os dias matinalmente é uma tarefa bastante dolorosa,o caminho mais fácil era só um, o permanecer impávida num só lugar, num só local...mas o pensamento em ti ajuda a meter os pés na rua sinuosa. O pensamento no Homem lutador que sempre vi em ti obriga-me a não fraquejar, ou pelo menos a tentar não fraquejar.

Sinto-me tão cansada Pai, sinto-me a desmoronar cada dia um bocadinho e tenho medo do abismo. Eu tento-me abstrair, eu tento ocupar os dias, as horas, os pensamentos...mas tudo parece aborrecido, sem sentido. Tento corresponder a tudo e todos, mas ao fim do dia a exaustão toma conta de mim. Os momentos que passo comigo mesma são umas das melhores conversas. Aliás, tenho evitado falar sobre ti. Tenho guardado para mim, tudo. Guardo para mim o medo de te esquecer. Guardo para mim a falta que sinto da tua voz...sinto tanta falta dela. Guardo para mim os teus sorrisos matreiros que mandavas assim de lado...sinto tanta falta. 
Sinto um vazio tão grande que, crente eu, pensava conseguir colmatar ou atenuar de alguma forma...quanto mais ocupada estivesse menos pensaria, menos falta sentiria...mentira. Quanto mais exausta me sinto mais vontade tenho de mandar tudo pelos ares, mais penso que sou uma tonta porque nem que tivesse ocupada quase 24 horas por dia, iria alterar alguma coisa...

Tento ser cada dia mais perfeita, tento pensar e ponderar atitudes, reações, para não chocar, para não ferir ainda mais o que já está em ferida… estou mais crescida sim, mais madura e aconteceu da forma mais cruel, mas acredito que o que dói também cura e acredito que ficarei ainda mais curada para enfrentar as mazelas da realidade vivida a cada dia. Preciso acreditar que tudo acontece com um objetivo e com uma lição no final.
 Estou mais endurecida...o ser humano tem a memória tão curta...os outros, aqueles que não somos "nós" têm a memória tão curta...O que poderia eventualmente fazer-me sorrir acaba por não o conseguir fazer, o que poderia ser considerado um desafio perde alguma grande parte do interesse.  Os objetivos quase que desapareceram... é só mais um dia, é só mais algumas pessoas que me rodeiam, é só tentar fazer de conta que estou…
"Faz um esforço, tem de ser. Tu sabes que tem de ser...", oiço-te tantas vezes a dizeres-me isso quando tínhamos os nossos desabafos.

Sabes, acho que não tinha essa noção, mas éramos muito amigos. Realmente companheiros. E na altura em que podemos usufruir disso mesmo, não temos nada essa ideia...é tão doloroso perceber só depois. Quando comento com alguns amigos, tenho dito sempre e reitero aqui para todos quantos "me" lêem...ajam de acordo com o que pensam sempre, façam valer a vossa opinião sem nunca descurar aqueles que gostam realmente de nós. Estimem os que estão ao vosso lado sempre em qualquer situação pois essa é a verdadeira família. Sejam corretos e nunca virem costas "demasiadamente" chateados ou aborrecidos, por mais difícil que seja...porque amanhã tudo pode mudar e os remorsos, as coisas mal resolvidas é o pior que pode ficar a marcar o que já dói só por si.
Apreciem cada momento que possam, mimem por mais pequenas coisas e insignificantes que possam parecer. Façam valer as relações, porque elas realmente fazem parte da nossa essência e irão alimentar-nos a alma, com toda a calma, se assim tivermos agido.

E por falar em alma...alma essa carente de imagens , de recordações, de memórias...memórias visuais que nos levam em viagens nas quais podemos não lembrar exatamente o que foi dito, mas conseguimos reter gestos, definir jeitos, "ver" expressões, tiques...definir silêncios e perceber.
Olharei sempre para ti, Pai...ver-te-ei sempre de forma intensa, ainda que não te possa tocar...olho-te de forma intensa, falo contigo de forma ainda mais intensa, escrevo-te de forma ainda mais e mais intensa...choro-te de forma intensamente intensa. 

Serás para sempre, e há quem diga que eu uso demasiadas vezes o "sempre" e o "nunca", a minha pessoa eterna,a minha eternidade... onde contabilizo cada dia, onde personifico cada luta, cada decisão. Onde tento encontrar o teu apoio, o florido que tinhas para com a vida e as pessoas que dela faziam parte...
Tento regar o "jardim" que deixaste nas nossas vidas. Tento florir a minha vida e a da mãe da forma menos dolorosa, se é que isso é possível...tentamos todos os dias um bocadinho, mas sabes, vou-te contar um segredo: sem ti perde o sentido. Tu sabes. 

Ajuda-nos Pai, dá-nos mais algum alento. Olha por nós, ajuda-nos a regar este jardim, onde tu foste o principal cuidador. Porque quanto mais o tempo passa, mais intolerantes ficamos, menos formas conseguimos encontrar para colmatar a falta, a ausência de ti...Quanto mais o tempo passa, mais te queremos encontrar...mesmo sem sabermos onde. 
Questionamos, pedimos, imaginamos...Desesperamos por algo diferente,fechamos os olhos e pedimos para regressares...Mas tu não vens ,pois não? 
Gostava tanto de te ter aqui, mas sim, é impossível, eu sei, mas o saber não me faz não pedir, não desejar...

 "...para além do Bem e do Mal, existe um jardim.  
Encontrar-nos-emos lá."
 (Rumi)


Com muitas saudades de ti.
A tua filha. 
A tua menina.

Andreia
14/09/2016


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