Pai,
Hoje
é o dia. Hoje é o dia em que choro a tua ausência nestes longos, demorados e difíceis
2 meses. Choro sem querer parar, como forma de modificar alguma coisa ou de
ficar, pelo menos, mais leve. Hoje é o dia em que as poucas palavras que me
possam apetecer dizer, não saem porque existe um nó. Um nó cego. Um silêncio pesado,
opaco e forte que não deixa sair nem uma palavra, porque nada do que possa ser
dito, falado e conversado, altera a dor da memória…
Continuo
neste turbilhão da vida sem ti. Que remédio, costuma dizer a mãe. Mas sabes,
tem sido difícil. Tem sido tão difícil, Pai! Nem eu mesma percebo o quão é
doloroso. No ritmo do dia-a-dia que nos é exigido não me apercebo. Só quando paro.
Quando chego e olho e não estás. Quando vou e olho e não estás. Quando espero a
“boa noite”, o “bom dia”, o beijo repenicado, o beliscão no braço, o pisar do
pé só porque sim. Quando recordo coisas que dizias e percebo que a voz não
existe mais, só na minha cabeça, só no meu interior…e queria ouvir…. Só mais
uma vez, para não esquecer, para tentar perpetuar o som mais um bocadinho…só
mais aquele bocadinho que nos escapou entre os dedos naquele dia.
Tu
sabes que eras, ou melhor, és tudo para nós. Tu sabes que a nossa vida sem ti
ao lado perde todo o significado, mas ainda assim, não existe outro remédio. E
a conformação é algo que sempre me foi difícil, a conformação de algo sobre o
qual eu não posso “meter a unha” como dirias, é uma coisa que me deixa aflita.
Perder porque teve de ser. Perder porque é assim a vida…como odeio isso…e acho
uma injustiça tão grande teres ido embora, Pai. Porquê? Eu penso que tu lutaste
e foste forte, sempre…mas caramba…porquê? Porque é que não deu para aguentar,
como é que tudo piorou? Estavas cansado? Apercebeste te? Desististe?
Não.
Eu sei que não foi isso. Eu sei que tu sempre tiveste um gosto incrível pela
vida. Eu sei que tu nos amavas e adoravas a mim e à mãe. Eu sei que tu querias
viver muito e da melhor forma. Então, mas essas coisas boas todas juntas, não chegam,
não é? Eu sei, infelizmente. Mas isso não me impede de o verbalizar.
Eu
e a mãe olhamos muita vez uma para a outra e interrogamos, porque ainda parece
mentira, cada dia que passa parece mais mentira. Cada dia piora a dor, a
saudade é agressiva, as memórias sobrepõem-se umas às outras, a revolta assola
o peito quando penso que poderia ter feito mais coisas, não me perguntem o quê,
mas se calhar podia. Ou se calhar não. E acho que existirá sempre o “se” dentro
de mim. O “se” repleto de aflição por este tal conformismo fatal. E nisto não
há nada que alivie. Só esperar.
E
espero e desespero. E espero e relembro. E faço festinhas nas flores que te deixo
e queria que fosse a tua orelhita que tantas vezes te puxava. E aliso aquele
monte de terra e desejo que fosse o teu cabelito que tantas vezes puxei. E
ajoelho-me naquele chão e imagino os mimos que te dei naqueles últimos dias, os
beijinhos que te pedi, a força que te quis transmitir, o quanto olhei para ti
sem tu veres e o quanto pedi para não me deixares aqui sozinha. E venho embora
daquele sitio que anteriormente ia tão poucas vezes e que agora me faz querer
não sair porque é o único sitio onde te posso encontrar.
É
o único sitio onde posso voltar a chamar” Pai, estás a ouvir-me? Cheguei…” é o único
sitio.
Já
não estás aqui na nossa casa. Só nos bens materiais, mas se isso nos alimentou
nos primeiros dias, agora passado este tempo, isso já não chega.
E
quero estar sempre onde tu estás. Por mais angustiante e desgastante que seja…é
ali que me apetece estar. É naquela terra que apetece colocar a mão para te
tentar apertar as bochechas. É ali que apetece falar contigo e dizer
simplesmente que te amo tanto e que me fazes tanta falta em tantas coisas. É
ali que apetece fraquejar e dizer te que não aguento mais, que estou cansada, que
olhar para a mãe me dói, mas que ver-me ao espelho dói ainda mais. Que não sei
o que é perder o marido, mas que a tua falta é algo incalculável para mim e sei
que não estou melhor, sei que não estou mais forte. Pelo contrário.
Que
tenho medo do amanhã. Que cada dia, ao final do dia, é um desconsolo. Que cada
manhã, é um arrasto. Que continuo a estar com pessoas que ainda não sabiam e
que ficam incrédulas. E eu penso … ”pufff pois, imaginem nós então”, sem
desvalorizar todo o apoio, todos os abraços, todo o mimo e recetividade das
pessoas como é óbvio.
É ali, perto de ti que percebo que não existem
verdades absolutas e que tudo é de tal forma perene que não adianta conflitos,
guerrinhas da treta. Que não adianta amores em demasia e ódios em excedente.
Que não adianta viver-se a vida do outro. Que interessa vivermos bem e de forma
tranquila, porque acabamos todos no mesmo sitio… (sim pode parecer um discurso
de sofredora sim, mas a verdade é esta mesma…acabamos ao lado uns dos outros,
portanto as posturas e os valores temos de os fazer valer em vida).
É
ali ao pé de ti que encontro as minhas raízes, é ali naquele lugar, mórbido
para uns, mas tão tranquilo para outros. É ali que nos mantemos enraizados.
E
tu estás em mim, Pai…Tu, Carlos Pinheiro, estás gravado em mim, no meu coração,
na minha essência duma forma tão brutal que chega a doer sim. Mas se não fosse
desta forma, não seriamos nós, não é? Trago-te sempre comigo, de coração cheio
e lágrima fácil, mas andas comigo. E é por ti que continuo a reaprender esta
sobrevivência maldita. É por ti que tento, mesmo sentindo-me a fraquejar. É por
ti que vou mesmo querendo enfiar a cabeça no buraco. É por ti que estou mesmo
querendo sair a correr e só parar onde tudo for melhor. É por ti, que te
prometi cuidar da mãe e que tento…cada abraço que lhe dou, cada beijinho que
lhe repenico, é também por ti e eu sei que ela tem muitas saudades da tua
companhia…e sei que eu, nem de perto nem de longe a consigo ajudar…Eu sei e
mesmo assim não desisto. E isso também me dói. Saber que não a consigo aliviar,
e ela às tantas também deve olhar para mim e pensar exatamente o mesmo. Uma
ajuda mutua sem surtir assim grandes efeitos. Auxilia, mas não altera, não
muda. Estamos juntas, partilhamos a mesma dor, mas cada uma a tenta superar de
formas diferentes parece-me…um marido e um pai…perdas irreparáveis. Mas um
amigo também é uma perda irreparável. Um filho também. E tu deixaste todas
essas perdas.
Cada
uma delas com a sua raiz e é nela que tentamos encontrar o alimento para quem
por cá fica.
Com
saudades,
Da
tua filha
E
da esposa
Que
te amam muito.
Andreia
Pinheiro
14/08/2016
��
ResponderEliminarHeartbreaking :-(
ResponderEliminar<3 <3