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PAI....


Pai…
Não consigo encontrar palavras certas, ou pelo menos acertadas, para expressar o que vai dentro de mim…Não consigo sequer qualificar esta dor, que arde por dentro, que corrói, que agonia e aperta, que sufoca, que nos faz sentir ocas de um momento para o outro…
Todas as lágrimas que saltam dos nossos olhos não chegam nem perto do sufoco do coração…
A impotência de não poder fazer mais nada, a tristeza do fim dos momentos, dos cheiros, do sorriso, das brincadeiras…do toque das mãos grossas, mas meiguinhas, o som da voz firme, mas dedicada…é tão difícil lidar com esta dor…inexplicável…inigualável…

Foram 2 meses preocupantes e 15 dias demasiadamente intensos…e o desfecho foi o pior que poderia ter acontecido e o pior que poderia ter sequer imaginado. Nenhum de nós o pensava sequer…
Interrogo-me tantas vezes se fiz tudo, questiono-me tantas e tantas vezes se fiz o suficiente…
Desvalorizei inicialmente algumas queixas, sim confesso, mas depois…os sinais foram sendo mais…persistimos e insistimos e tiveste de ficar hospitalizado…passados 6 anos voltávamos ao mesmo sitio, e até com algumas das mesmas pessoas…. Tudo iria correr bem pois estávamos no local certo…pensava, constantemente…mas a tua debilidade quebrou-te…como te quebrou…
Ninguém imagina o que vivemos os três e pondero ainda se o deva transcrever, ou pelo menos tentar, mas acho que sim, em jeito de “terapia”, em forma de desabafo…Guardar bem guardadinho poderá trazer mazelas posteriores e não queremos mais… não podemos ter mais mazelas.

Ver alguém chegado a nós num hospital, já é por si só preocupante.
Ver o nosso Pai hospitalizado é algo que nos deixa tristes e apreensivas, num paradigma dito normal.
Perceber que ao longo dos dias a recuperação é demasiado lenta ou quase nula, é assustador. Observar sinais de fraqueza corporal, de debilidade física, baralhação, ainda que momentânea, de perguntas e respostas, incapacidade para falar connosco, a sonolência, a aflição de não engolir por causa da dor, a exigência da doença em fazer as sessões de diálise na mesma…ainda que fraco, ainda que débil…conseguiste sempre…nem sei como, mas certo é que conseguiste.
Depois vem a nossa impotência perante todos estes fatores… de perceber o que nos quer dizer, a revolta sentida nas horas da visita, a incapacidade de o ajudarmos a deslocar-se, ou simplesmente virar-se, a necessidade de perguntarmos tudo e tudo e a incapacidade dele de responder a tudo e tudo…a vontade de chorar por tudo o que víamos, mas continuar a incentivar dia após dia e encontrar sempre um pontinho positivo de alento.
…O medo das palavras do médico, o medo da vinda da enfermeira, o medo do telefone durante a noite ou pela madrugada…meu deus, que foi isto que vivemos? Que foi isto que nos aconteceu? Sobreviveremos?

Não existem palavras para tamanha dor. Apeteceu-me ralhar com a enfermeira ao telefone, naquela madrugada do dia 14 de junho. Apeteceu-me gritar com ela e perguntar, “mas porquê”, “mas porque é que deixou isto acontecer?” ...
Que revolta tão grande e que tristeza tão profunda…Olhava para a mãe, ouvia a voz do outro lado do telefone e tentava perceber o que tinha acontecido…”fiquei sem Pai, meu deus… o meu Pai morreu…”
Nunca me perguntaste o que se estava a passar, nunca perguntaste porque é que não te sentias melhor…. Saberias tu no teu intimo que não estavas bem? Gostava tanta de perceber isso, Pai. Gostava de te ter explicado o que se estava a passar, o porquê de estares ali dias e dias…de debater contigo as opiniões médicas como fizemos em 2010, no inicio da tua doença… Gostava de ter conversado isso contigo, apesar de te ver tão cansadinho, acho que não o fiz por falta de coragem e por medo…medo que desistisses, medo que ficasses em pânico…medo!

Saber que partiste é uma dor única, um silêncio constrangedor e assustador. Saber que não voltarei a ouvir-te é perturbador. Olhar para a mãe e ver o teu vazio ao lado dela é de uma angustia tal que nunca se imagina….
Perceber que te perdi dói. Perceber que a mãe te perdeu, dói. Perceber que as nossas vidas nunca mais serão as mesmas dói. Perceber que a nossa postura não será mais a mesma perante outros fatores da vida dói… é uma tristeza sem tamanho que nos bateu à porta…
Tu…um doente crónico há 6 anos, alegre, bem-disposto, com um gosto enorme pela vida, pelas coisas boas da vida e que num espaço de 2 meses, terminas com 60 anos, quando ainda tinhas tanto pela frente…
Lutaste sempre, mas desta vez foste vencido…foi uma dura batalha, eu sei…e espero ter sido a filha que precisaste …sempre. Espero que saibas que me esforcei ao máximo para te dar a melhor comodidade, os melhores tratamentos. Tentei estar sempre em cima dos acontecimentos, questionar, perguntar, opinar, dar alternativas até, mas não conseguimos…foste consumido por uma exaustão extrema e lamento tanto…ninguém merece a morte, como é óbvio, mas tu…és meu Pai… e isso a mim diz-me tudo e diz-me o suficiente…
És meu Pai…e merecias estar aqui comigo.

Tantas pessoas que nos deram os sentimentos, tantos amigos, conhecidos, família, a comunidade…tantas pessoas que nos vão encontrando agora, passados ainda somente dois dias e que nos pedem desculpa porque não conseguiram estar no funeral por sentirem demasiado, ou que não conseguiram estar muito tempo, porque sentiram demasiado…
Tiveste um funeral tão digno, Pai, mas tão digno…eu sei o quanto tinhas medo da morte, quantas e quantas vezes nem querias falar disso para não “atrair”….e essa foi a preocupação da mãe…esse teu medo de ficares sozinho, da urna, da terra…essa era a agonia dela…só lhe podia dizer para não pensar nisso, porque tu irias estar bem…
Mas estarás? Tu que tanto gostavas desta vida, que te adaptaste à tua doença e conviveste tão bem com ela…até então…. Que pena. Que tamanha pena. Que tamanha desilusão nesta vida por te levarem de mim…

Parece-me mentira ter de arrumar as tuas coisas e desfazer-me de outras…parece uma não realidade perceber que não vais precisar de mais nada. É só a mãe agora…e eu.
Sobreviveremos? Sim, com certeza, um bocadinho cada dia…mas é tão difícil. Tão difícil levantar desta tristeza profunda que nos assombra por dentro. Perdemo-nos num silêncio constrangedor e sufocante, perdemo-nos em lágrimas que por vezes tentamos dissipar mas outras vezes falta-nos a força para esconder o que quer que seja…

Cada pessoa que vem até nós relembra-nos o quanto eras respeitado, querido, conhecido, dedicado…mostra-nos o fantástico Homem que foste para todos. Amigos de longe, pessoas queridas de antigamente, amigos recentes, mas tão próximos…tantas pessoas que vieram prestar a sua gratidão por também te terem conhecido…
Ninguém esperava esta tragédia… na família não posso deixar de referir a avó. O respeito enorme que tenho por aquela mulher…a avó…mulher de coragem que quis estar presente. E que bem se portou perante a mágoa não só daquele momento, mas de uma vida…Mulher nobre a avó, tua mãe. Um orgulho.

Tentei fazer-te uma pequena homenagem na missa…pedi com muita força para ter coragem e não chorar…queria que todos ali presentes percebessem de coração cheio o que queria dizer, ler, o que pretendia repassar para o outro lado do que estava a sentir. Acho que humildemente, consegui. E agradeço. Merecias. Mereceste tudo o que fiz e se pudesse fazer mais, faria. Mais e melhor, se fosse essa a solução…

Sábado iremos estar todos juntos novamente por ti. A última vez nesta fase inicial. Teremos força. Teremos força por ti. Porque mereces uma família unida, lutadora e corajosa. Vai ser difícil, mas eu cuido, eu protejo, eu consigo. E a mãe também. É forte, lutadora, senhora de cariz humilde. Muito saudosa e que te ama muito e amará, com todo o seu coração.

Agradeço de coração a todas as pessoas que a mim e à mãe se dirigiram, quer no velório, quer no funeral, quer por telefonemas, mensagem privada ou nas redes sociais. É de louvar todo o apoio prestado, flores trazidas, deslocações longínquas…obrigada. É porque de facto nós merecemos. Tu mereceste, Pai. E isso, apesar de toda esta tristeza, deixa-me um pouquinho mais tranquila.
Continuarás sempre comigo, não é? De outra forma, com outra perspetiva, numa outra postura…assim espero e assim quero pensar. Vais me fazer tanta falta…as saudades essas ainda agora não apareceram, mas vão chegar…aí se vão…
Esta dor que em mim se apoderou, acredito que irá atenuar… mas até lá…dói tanta que quase fere. Chorar nada resolve, mas alivia, acalma… choremos então…
Adoro-te meu Pai. Gosto muito de Ti.

Cuida de nós, prometes?
Eu cuido da mãe, e ela de mim. Tal como tu fizeste nestes 34 anos.
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P.S: Obrigada, a ti e à mãe… Adorei o anel do dia da criança. Veio tarde, mas chegou. Espero que o vejas daí.

Serei sempre a tua menina. Sempre…

17/06/2016
A.Pinheiro



Comentários

  1. Amiga onde estiver o teu Pai tenho certeza que está todo vaidoso com a filha que ele criou junto à tua Mãe, porque só quem dá assim amor poderá receber estas palavras lindas vindas de um coração que o ama muito para sempre.Coragem Amiga sei que vais conseguir és forte tens de o ser por ti e pela tua Mãe,mulheres de coragem a cada dia porque junto a vocês (mas de uma outra forma) vai estar o teu pai que vos vai dar força vais ver.Beijinhos

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    1. Um dia de cada vez, tal como nos ensinou... Obrigada pelas palavras de apoio, obrigada... Beijinho

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