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Cuida-me

Pai,
Hoje talvez seja a primeira vez em que sinto dificuldade em escrever alguma coisa para ti...para nós. Talvez porque as saudades são tão grandes e doem tanto que formam um bloqueio envolta do meu coração, dos meus pensamentos... e o mais fácil é o que tão bem sabes e talvez vejas...chorar...mas ainda assim não alivia, ainda assim não atenua nem uma pequena parte daquilo que se sente.

Porque é que isto não passa? Porque é que cada vez é mais dificil encarar a mudança, a tua falta? Porque é que cada vez é mais doloroso olhar para as tuas fotografias e perceber o teu sorriso, o teu brilho pela vida, a tua dedicação para com todos? 
Porquê? Porque é que se torna tão duro e tão sofredor viver esta realidade e simplesmente não nos habituamos?

Seria demasiado simples, não é? Como tu dirias. O que é fácil demais, perde o sabor... Caraças. Sempre concordei nisso contigo, mas agora...é tão diferente. Perante novas situações , o ser humano altera a sua capacidade de resposta...e o que eu daria para perder este sabor tão amargo só eu é que sei. Eu...e tu...e mais ninguém sequer imagina tudo o que vai emaranhado cá por dentro.

É bem mais fácil tentar sorrir, fingir que estamos presentes, esforçar para aparecer, assumir uma conversa banal, abstrair e focar o olhar em algum ponto para não se aperceber o quão baço se encontra...Tornamos-nos uns autómatos no nosso dia a dia, porque é mais simples. É mais simples ir, fazer e estar do que ter de justificar o que não tem argumentos possíveis.É tão mais fácil isso do que pensar. Pensar no que realmente queremos e no  que realmente nos importa, porque a verdade é só uma...nada importa e nada interessa e portanto, ir ou ficar atinge umas dimensões totalmente diferentes de há 4 meses a esta parte.

E quando realmente penso,quando isso acontece, quando paro e penso,quando paro porque sou obrigada, porque o corpo dá sinal e já não existem mais sorrisos semi forçados para sair nem conversas banais para tentar fazer...ai para tudo...e vou de caminho à tua procura, ao teu sitio, à tua nova morada. Sento-me ao teu lado e converso contigo um bom bocado, e choro contigo, e ajeito a tua roseirinha e o ramalhete, e tiro as pedrinhas, e ao mesmo tempo que me sinto estúpida por estar ali, no minuto seguinte sinto-me mais acompanhada...por ti.

E naquele nosso tempo consigo imaginar-te ao meu lado a seres engraçado,a melgares-me...a acompanhares-me na Vida. A vida. Esta puta desta vida que nos destroçou tudo. Que nos lixou. Que nos maltrata. E que ainda assim temos de estar e sobreviver e manter...

E interrogo-te...a ti e a mim...que azar tivemos. Que tristeza nos arrebatou. 
E choro-te...que falta me fazes.
E amo-te...quantos beijinhos te queria dar.
E preciso-te...para me ouvires e aconselhares.
E procuro-te...porque existem momentos difíceis, que nos desencorajam de lutar.
E faltas-me...para me veres crescer.
E deixo-te...a pairar dentro de mim para tentar agir como se tu me dissesses o caminho.
E peço-te...
Peço-te Paizinho...cuida-me...

Cuida-me.Protege-me. Ajuda-me.
Cuida-me. Da tua menina que ainda precisa de colo. Da tua menina que Sempre precisou do Teu colo.
Cuida-me. Da tua resmungona que precisava de um xi teu . Que precisava do teu cheirinho e da tua barba a fazer cócegas nas minhas bochechas.

Penso muita vez que muito pouco ficou por dizer entre nós, mas o "muito pouco" é tão relativo...o muito pouco é tanto Pai, agora é que me apercebo...
Cuida-me.
E que hoje, pelas sete da manhã que cada nosso amigo pense em ti com todo o carinho e que deseje somente que estejas tranquilo.Tal como farei, com todo o meu amor de filha.

Cuida-me.

Da tua menina,
Andreia.

14/10/2016


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