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O Melhor de Mim

Pai,
Tu és sem dúvida uma das melhores coisas que tenho cá dentro, posso nem sempre tê-lo sabido, ou melhor, posso nem sempre ter conseguido verbaliza-lo, mas saber e sentir acho que sim.
Hoje, passados 30 dias da tua ausência, choro com mais dor, se é que isso é possível…revejo as horas a passarem e consigo visualizar todos os acontecimentos…que tamanho sofrimento que o ser humano suporta…e quanta falta nos fazes. Quanta falta, pai… A tua alegria, as tuas piadas, as rabugices, a companhia…Quantas saudades, meu deus…A tua voz que nunca tive tanto tempo sem ouvir, as tuas mãos que nunca tive tanto tempo sem tocar, as caroladas na tua cabeça, os mini beliscões no braço, os olhares que terminavam em gargalhadas quando “gozávamos” com a mãe…O teu cheiro de barba feita, de banho tomado, as coisas desarrumadas, o barulho das chaves…
Que saudades são estas? Que sentimento este de total perda e desilusão, de sofrimento que aperta tanto cá dentro que apetece gritar e pedir a toda a gente e a ninguém para me devolverem o meu pai, de gritar que isto não podia ter acontecido porque não merecias, porque eras tão bem-disposto, que nós precisamos de ti aqui para tudo voltar ao normal e que não podemos e não queremos e não conseguimos estar assim…Que tamanha saudade e sensação de vazio que nos arrebata a cada minuto do dia, enquanto parecemos autómatos para continuar…sem ti.

A mãe nunca dormiu sozinha, e eu nunca dormi tanta vez com ela. Tudo mudou. E tudo se torna tão doloroso. Tão difícil. Tão sem interesse. Tão banal. Tão assustador. Tão insignificante.  Existem todas as mesmas pessoas, e mais algumas, à nossa volta, menos tu… E trocaríamos todas estas pessoas por ti, se isso fosse possível. Sem desvalorizar todo o apoio que temos tido. É bom ter família unida, mas não chega. É bom ter amigos, mas não chega. É bom ter colegas e conhecidos, mas não chega. É bom ter trabalho, mas não chega. É bom continuar a viver, mas não chega.
Nada chega para atenuar esta tristeza que temos cá dentro e quem passou pelo mesmo entende o que quero dizer… Por mais que nos digam que “o tempo atenua”, sim o tempo atenua, mas não é o tempo de amanhã ou do dia seguinte, ou de uma semana, ou de mês…é o tempo duma vida…e é esse o tempo que nos consome a alma que nós temos de viver. Vivemos o tempo da vida rotineira, na rua, e vivemos o tempo da nossa casa, entre 4 paredes, só nós, só nosso., Temos de ir trabalhar, de falar, de comer, de sobreviver, de conviver, de partilhar, de tentar sorrir…e isso é tão difícil perante a tua ausência e toda a reviravolta que se passa cá dentro…

Olhando para trás penso em quantas coisas ainda tínhamos para fazer…e quando penso mesmo a sério, assim do género de quando estamos na cama sossegadas e sem sono, penso que és sem dúvida o melhor em mim…O sentimento que me proporcionas, apesar da dor deste momento, demonstra o melhor que há em mim…e o melhor que tu foste para mim…Ensinaste-me a ter um coração de ouro e a saber deitar cá para fora as minhas emoções, a ter gosto pela vida e a aproveitar cada momento da melhor forma, a ser simpática para quem é simpático para nós e a ser um pouco mais “contida” para quem nem sempre o demonstra, a ser humilde sem rebaixar, a ser prestável, a dar gargalhadas, a dançar…o quanto gostavas de dançar e quantos passos aprendi contigo naquelas quintas feiras na quinta, onde avó fazia jantarada e nós dávamos sempre um pé de dança para animar as hostes…éramos tão parecidos, diziam as pessoas quando nos conheciam…

Passados “apenas” trinta dias já tenho tantas saudades tuas, é doloroso imaginar a continuação dos nossos dias sem a tua presença, e por mais que acredite que “estás aqui” e que interiormente fale contigo, é diferente. Temos de acreditar em algo e isso faz parte do ser humano, os chamados rituais de ir ao cemitério, de mandar dizer a missa do sétimo dia e em cada mês…Sim, faço isso tudo…Ontem recordámos que foi a última tarde que estivemos contigo e ainda bem que fomos todo o dia…Nunca pensei que fosse a última vez, nunca…Pedi-te um beijo que te esforçaste para conseguir esticar o pescoço e disse-te um até logo, como sempre foi hábito…nunca adeus nem até amanhã…um até logo porque dá continuidade de estarmos ali, e não de virmos embora ou de terminar o que quer que seja…um até logo paizito…

Hoje pelas 7h, eu e a mãe demos um xi bem apertado e recordámos o maldito telefonema na voz da enfermeira tão afável, coitada. Hoje pela fresquinha matinal fomos ao cemitério falar contigo e fazer um lindo ramalhete para te acompanhar…é a única coisa que te podemos fazer, é a única forma de te sentir mais perto…tocar na terra e falar “sozinha”, acreditando que me ouves. Sábado próximo também será a missa mensal e acredito que também ai te sentirei perto…a mãe acredita e eu acredito com ela.
Acreditar…tanto que se falou esta semana no acreditar da nossa seleção…e quantas vezes também me lembrei de ti. Gostavas da seleção, enervavas-te com eles e chamavas nomes, mas no final choravas de alegria. E nós vibrávamos contigo. Vimos a final do Euro em casa e recordámos o quanto gostarias de ver aquele jogo e quanto irias chorar, e no fundo acreditamos que também viste, ou pelo menos gosto de pensar assim, mas a verdade é que isso não nos serve de “muito” … e a verdade nua e crua é que me apetece gritar e dizer que de nada adianta mentalizar-me disto e daquilo e acredita nisto e naquilo porque não estás cá, de carne e osso, e que nada que possamos acreditar valerá porque não voltas aqui para casa, para nós. Mas não o faço, porque tenho consciência que seria bem mais difícil sem acreditar que estás aqui, embora de outra forma. A mim, à mãe, resta-nos encontrar a melhor forma de te trazer em nós…

E eu acredito que te trago em mim, em cada lágrima que deito e que parecem não ter fim, no teu perfume que guardo nos meus objetos, no toque delicado com que mexo nas tuas roupas quando vou ao roupeiro, nas saudades que trago no meu peito, nas noites de insónias em que sonho contigo e tu não respondes, mas sorris…
Fazes-me tanta falta, mas és o melhor de mim e deixaste em mim o melhor de ti… Para sempre.
Somos muito próximos, talvez por sermos tão parecidos e sei que esta dor jamais irá sarar. Sei que terei de aprender a viver com ela, sei que terei de reaprender a viver e a conviver…

Amava a tua presença na minha vida e agora tenho de aprender a amar também a tua falta.
Interiormente só peço aos anjinhos ou a algo de dimensões maiores que me ajudem a conseguir viver com toda esta dor, mas que não me façam esquecer nunca de ti, da tua voz, do teu toque e do sorriso, sem ser por fotografias…que eu nunca esqueça dentro de mim o Pai e o Homem que foste e continuas a ser para mim e para todos quantos gostam de ti e tiveram o privilégio de te conhecer.

“Hoje a semente que dorme na terra (…) É preciso perder para depois se ganhar e mesmo sem ver acreditar…”, canta a Mariza…



Com saudades,
Da tua filha, Andreia
E da tua esposa
14/07/2016

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